“A idéia de que haveria uma tendência à redução das desigualdades nas fases avançadas do desenvolvimento econômico não resiste a analise dos fatos em nenhum país”. Thomas Piketty
Mano Lima
Quem viaja pela BR 222, no trecho que liga os estados do Piauí e Ceará, se surpreende com a qualidade do pavimento, novo, onde o trânsito flui, num quadro diferente da maioria das estradas brasileiras. Por lá, a operação tapa-buraco do Ministério dos Transportes não passou porque, felizmente, não há buracos. Mas não é isso o que mais chama a atenção dos motoristas que trafegam pela rodovia. À certa altura, o viajante lê uma placa sugestiva: rodoviária dos pobres. Os dizeres registrados em caligrafia rudimentar sugerem um pleonasmo. Afinal, a princípio, rodoviária não poderia ser o terminal de acesso dos ricos, que preferem o aeroporto ou os modernos cruzeiros transatlânticos.
A curiosidade juntou-se à sede: parei o carro para comprar água de côco e perguntei a um sujeito maltrapilho o porquê daquela placa. Ele disse que naquele ponto os que não tem dinheiro para comprar a passagem pedem carona para chegar ao outro município. Para essa massa de despossuídos o terminal rodoviário, há alguns metros dali, é algo distante. E os modernos ônibus de luxo, com ar condicionado e TV, são artigos de luxo. Sob o sol escaldante do verão nordestino, eles acenam para caminhões e carros de passeio e apostam na solidariedade dos motoristas, para chegar ao seu destino.
A mil e quinhentos quilômetros da “rodoviária dos pobres”, em Brasília, já existiu o “aeroporto dos pobres”. Quando governou o Distrito Federal, o hoje senador Cristovam Buarque determinou ao seu secretário de obras que modernizasse a antiga rodoviária da cidade, a fim de proporcionar aos passageiros um terminal bonito e organizado, com sanitários limpos e cheirosos e onde os usuários pudessem visualizar os horários de saída dos coletivos em painéis eletrônicos. A experiência durou pouco e foi apelidada de “aeroporto dos pobres”.
O abismo que separa os usuários de aeroportos e das rodoviárias onde milhares de brasileiros se engalfinham nos feriados prolongados e períodos de fim de ano, não é fruto da semântica: ele tem origem na perversa concentração de renda que separa os que consomem e usufruem o crescimento econômico brasileiro, dos que permanecem espoliados. De acordo com o estudo “Educação e distribuição de renda no Brasil”, feita em 2002 pelo professor da USP, Naércio de Aquino Menezes (disponível na internet) a pobreza brasileira é muito elevada se comparada ao seu PIB nada desprezível. Segundo o pesquisador 10% dos brasileiros mais ricos “apropriam-se de 48% de toda a renda gerada no país”. Isso é uma demonstração cabal de que o neoliberalismo agudizou o problema da concentração de renda no Brasil, como previu em 2001 o economista Thomas Piketty, do Centre Nacional de Recherches Sociales de Paris (França).
Abaixo da linha da pobreza, o caroneiro piauiense vê o progresso passar à sua frente: as carretas que escoam a safra agrícola brasileira que cresce a cada ano; os carros populares cujo consumo se multiplicou na última década, no lastro da estabilidade monetária. Do “outro lado” da pista, ele contemplam as maravilhas da 10a economia mundial e avistam nos outdoors farta propaganda oficial sobre os programas de renda mínima que espalham alimentos, subsídios e ilusões para os miseráveis do país. Resignado, ele sabe que o seu futuro parou no acostamento. E pede socorro.
O autor é jornalista e autor do livro “Deuses de Acrílico”
Mano Lima
Quem viaja pela BR 222, no trecho que liga os estados do Piauí e Ceará, se surpreende com a qualidade do pavimento, novo, onde o trânsito flui, num quadro diferente da maioria das estradas brasileiras. Por lá, a operação tapa-buraco do Ministério dos Transportes não passou porque, felizmente, não há buracos. Mas não é isso o que mais chama a atenção dos motoristas que trafegam pela rodovia. À certa altura, o viajante lê uma placa sugestiva: rodoviária dos pobres. Os dizeres registrados em caligrafia rudimentar sugerem um pleonasmo. Afinal, a princípio, rodoviária não poderia ser o terminal de acesso dos ricos, que preferem o aeroporto ou os modernos cruzeiros transatlânticos.
A curiosidade juntou-se à sede: parei o carro para comprar água de côco e perguntei a um sujeito maltrapilho o porquê daquela placa. Ele disse que naquele ponto os que não tem dinheiro para comprar a passagem pedem carona para chegar ao outro município. Para essa massa de despossuídos o terminal rodoviário, há alguns metros dali, é algo distante. E os modernos ônibus de luxo, com ar condicionado e TV, são artigos de luxo. Sob o sol escaldante do verão nordestino, eles acenam para caminhões e carros de passeio e apostam na solidariedade dos motoristas, para chegar ao seu destino.
A mil e quinhentos quilômetros da “rodoviária dos pobres”, em Brasília, já existiu o “aeroporto dos pobres”. Quando governou o Distrito Federal, o hoje senador Cristovam Buarque determinou ao seu secretário de obras que modernizasse a antiga rodoviária da cidade, a fim de proporcionar aos passageiros um terminal bonito e organizado, com sanitários limpos e cheirosos e onde os usuários pudessem visualizar os horários de saída dos coletivos em painéis eletrônicos. A experiência durou pouco e foi apelidada de “aeroporto dos pobres”.
O abismo que separa os usuários de aeroportos e das rodoviárias onde milhares de brasileiros se engalfinham nos feriados prolongados e períodos de fim de ano, não é fruto da semântica: ele tem origem na perversa concentração de renda que separa os que consomem e usufruem o crescimento econômico brasileiro, dos que permanecem espoliados. De acordo com o estudo “Educação e distribuição de renda no Brasil”, feita em 2002 pelo professor da USP, Naércio de Aquino Menezes (disponível na internet) a pobreza brasileira é muito elevada se comparada ao seu PIB nada desprezível. Segundo o pesquisador 10% dos brasileiros mais ricos “apropriam-se de 48% de toda a renda gerada no país”. Isso é uma demonstração cabal de que o neoliberalismo agudizou o problema da concentração de renda no Brasil, como previu em 2001 o economista Thomas Piketty, do Centre Nacional de Recherches Sociales de Paris (França).
Abaixo da linha da pobreza, o caroneiro piauiense vê o progresso passar à sua frente: as carretas que escoam a safra agrícola brasileira que cresce a cada ano; os carros populares cujo consumo se multiplicou na última década, no lastro da estabilidade monetária. Do “outro lado” da pista, ele contemplam as maravilhas da 10a economia mundial e avistam nos outdoors farta propaganda oficial sobre os programas de renda mínima que espalham alimentos, subsídios e ilusões para os miseráveis do país. Resignado, ele sabe que o seu futuro parou no acostamento. E pede socorro.
O autor é jornalista e autor do livro “Deuses de Acrílico”
Foto ilustrativa - Thaiza Murray - Corumbá-GO
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